Nesta época do ano as pessoas tendem a fazer reflexões de suas vidas na tentativa de criar metas e objetivos para o próximo ano.
É sempre muito importante fazermos reflexões acerca de nossa vida, escolhas, ações, reações e sentimentos. Isto colocado em prática o ano todo, como qualquer exercício físico, por exemplo, serve de bússola para a direção a ser seguida e também de antídoto contra sofrimento advindo de um distanciamento de nossas reais necessidades existenciais.
O ponto chave da nossa existência é a conexão com o nosso interno, com nossa essência.
Tenho presenciado tanto no meio social como no meu consultório uma dificuldade muito grande das pessoas conseguirem realmente estarem juntas umas com as outras. Coloco aqui a disponibilidade emocional de se doar na relação, seja ela amorosa, familiar, parental e até mesmo de amizades.
A tecnologia trás muitos avanços e facilidades. Nunca foi tão fácil nos comunicarmos instantaneamente com as pessoas. Podemos saber da vida dos outros em tempo integral. Temos a sensação de que não estamos mais sozinhos. E mais, hoje temos espaço para colocar nossas opiniões e mostrar nossa vida, passo a passo, se quisermos.
Um dos grandes benefícios da tecnologia é essa interação, facilidade na comunicação, mesmo que superficial e, até mesmo a participação ativa, quase que como cineastas criando seus próprios filmes, roteiros e compartilhando com outras pessoas.
Venho apresentando o conceito de como é importante sermos vistos, reconhecidos e compreendidos para que nossa existência tenha sentido. Porém, se não tomarmos cuidado, se não refletirmos sobre sua utilidade e principalmente, sobre o fascínio quase que entorpecedor que pode levar à necessidade de permanecer conectado 24 horas, pode-se trilhar um caminho no qual o isolamento, a superficialidade e a necessidade de conexão com o outro via intermediadores, como o facebook, instagram, whatsapp entre outros se torna o único e principal caminho a ser trilhado como forma de relação.
Vejo pais colocarem seus filhos em várias atividades tanto para ocuparem as crianças e diminuir o trabalho no cuidado como também como ponte de comunicação, já que estes não sabem como estar e se relacionar com as crianças. As atividades servem quase que como um intermediário das relações. Assim, os pais sentem que estão presentes por assistir uma apresentação ou um treino, por exemplo. Interação vai muito além disso e é muito mais simples. Só que exige disponibilidade.
Essa dificuldade de interação de muitos pais atuais se dá por vários motivos, inclusive no campo emocional, mas não podemos deixar de refletir sobre o momento histórico e cultural que estamos vivendo. É uma época na qual ocorrem mudanças com muita frequência. Somos obrigados a nos colocarmos num ritmo acelerado para dar conta de tantas demandas que se tornaram socialmente muito valorizadas.
As pessoas precisam ser ótimas no trabalho, dar o sangue na empresa. Precisam ter tempo também para estarem com os amigos bebendo num bar ou numa festa ou em encontros de turmas. Tempo para ver as exposições, cinema, teatro, jantar em restaurantes, viajar e também, quase que por último estarem com a família e filhos. Por isso, o mercado das babás não para de ascender. Sorte das pessoas que buscam esta profissão, azar das crianças que ficam longe de seus pais.
Conheço várias pessoas que utilizam aplicativos de relacionamento na tentativa de encontrar alguém e o que elas mais reclamam é da imparcialidade e superficialidade nas relações. Claro que há exceções. Uma amiga relatou que saiu com um homem para almoçar e que durante o encontro ele ficou no celular respondendo outros chamados. Vejo muitas pessoas “juntas” e no celular, praticamente imersas no mundo prazeroso e sem conflitos que a tecnologia proporciona.
Há um ano estive na Europa e por onde andei ninguém ficava no celular. Ainda me chamou a atenção um adolescente, em Florença, andando na rua e lendo um livro bem grosso.
As informações chegam tão rápido e elas são tantas que fica humanamente impossível processar e elaborá-las de maneira tranquila. Cada vez mais as pessoas ficam ansiosas, nervosas, com pouca paciência e disponibilidade para se doar, pois estão tão lotadas de informações que não cabe mais nada.
É nosso dever aprendermos a selecionar esse mar de acontecimentos, separar o que é nosso e o que é do outro, buscarmos momentos de calma, silêncio, paz e principalmente de conexão com nosso interno e com a vida.
Num dos cursos que faço aprendi a observar e sentir tudo como se fosse a primeira vez. É um treino, basta começar a praticar.
Como recebemos uma carga alta de informações, nosso cérebro tende a selecionar e aquilo que já vimos é considerado sabido. Porém, um grande mal é julgarmos o momento presente como se ele fosse igual ao momento passado. Não é. Nem nós somos iguais. Mudamos a cada situação. Só que a mudança é tão sutil que podemos ter a sensação que somos iguais sempre. Este é um exercício muito interessante. Demorei um tempo para conseguir sentir realmente o momento como único. Mas, posso compartilhar que a conexão profunda com a vida pode ser sentida plenamente.
Está na hora de entendermos que muitas doenças, conflitos, guerras e sofrimento não pertence somente ao campo individual. É também fruto de um coletivo que está construindo suas relações num terreno perigoso e sombrio, fruto da ignorância interna que determina quase que todas as nossas ações. Sem reflexão, sem conhecimento do mundo interno, das emoções, a vida passa a ser vivida de forma automática, guiada por valores coletivos, que por vezes podem ser benéficos, mas por muitas vezes, nocivos.
Desejo então a cada um de vocês muitos encontros verdadeiros e profundos consigo, com as pessoas e com a beleza que vida nos proporciona infinitamente! Que a partir deste momento você se abra para perceber seus sentimentos e buscar o sentido da sua existência. Se cada um se responsabilizar conscientemente sobre si, podemos começar a construir um mundo mais solidário, justo e harmônico para nós, para os outros e para a futura geração que precisa receber todo esse cuidado para aprender também a cuidar de si de forma mais saudável e madura.
Cristina Ciola Fonseca
Psicanalista, graduada na PUC-SP, especialização na UNIFESP
Consultório particular (11) 5052 9286 / 99850 9074
crisciola@hotmail.com
(Ilustrações: Lu de Mari)
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