Domingo a noite, durante o pronunciamento da nossa Presidente da República, várias pessoas em diversos bairros protestaram com gritos, buzinas, panelas, xingamentos, entre outros.
Li um artigo no blog do Sakamoto no qual ele aponta para a questão do preconceito de gênero contida no ato de protestar ao invés de uma manifestação frente à corrupção e qualquer insatisfação na condução do governo. O texto foi muito bem articulado e Sakamoto está coberto de razão, porém quando as pessoas se manifestam/protestam contra algo ou alguém, o componente raiva está muito aflorado e a capacidade de se fazer um julgamento mais profundo fica prejudicado.
Freud explicou muito bem os fenômenos de massa. É uma contaminação coletiva inconsciente, na qual o ódio, por exemplo, pode correr solto, tornando-se potencializado sem que haja clareza ou qualquer tipo de julgamento consciente no momento do ato. As pessoas, neste contexto, sentem-se poderosas, onipotentes e agem em conjunto numa força vivenciada por todos. Por isso, já assisitimos ou ouvimos falar de ataques violentos em massa. Pessoas que nunca haviam batido em alguém, podem inclusive vir a matar.
Protestar significa quebrar com um funcionamento patológico, seja individual ou coletivo. Podemos protestar contra a vida que estamos levando, contra nossos pais, vizinhos, colegas, chefe, governo e contra nós mesmos.
Protestar é importante para construirmos novos caminhos. Mas, temos que tomar cuidado com o que realmente estamos protestando. Sem consciência do que está em jogo, muitos elementos internos podem vir à tona sem nosso conhecimento e o protesto servir mais de catarse do que propriamente um ato transformador.
Protestar pode ser uma ação. Porém, o protesto sem esta clareza, torna-se uma reação.
É claro que para muitos brasileiros o ato de protestar passa pela intolerância à forma como os governos vêm conduzindo nosso país. Muitos vão apontar os desvios de verbas, o pouco caso com o crescimento do país nas áreas sociais, de saúde e educação e estão cobertos de razão.
A questão é que assim como existe a razão intelectual no qual um discurso articulado cai muito bem e até convence, há a razão emocional. Posso ter ódio de alguém porque estou com ódio de mim. Posso querer que o externo mude porque quero que o meu interno mude.
Como mencionei anteriormente, o ato de protestar é saudável. A indignação vem carregada de raiva e tem que ser assim. Somos seres que para sobreviver aprendemos a nos adaptar a situações extremas e até nocivas. Por isso, a raiva nos ajuda a sair desse lugar. Raiva como motor é importante. Raiva como catarse é reação: coloca-se para fora, como um vulcão em erupção, tudo o que não tolero em mim e projeto no outro, culpando-o por tudo.
Há sim o que é do outro e há também o que é meu. Separar estes ingredientes evita distorções, projeções e re-ações impensadas.
Cristina Ciola Fonseca
Psicanalista
(11) 5052 9286 / 99850 9074
crisciola@hotmail.com
2 Comments
Oi Cris! Nunca tinha pensado na raiva como um elemento positivo, algo que nos impulsa contra a comodidade de algo... Mas acho isso bem complicado, não? Porque, sem clareza e sem foco, a raiva pode simplesmente se tornar um elemento reativo quando, na verdade, deveríamos ser mais ativos e responsáveis em relação a nossa própria vida...
Meu Deus, essas coias psicológicas geram muita conversa! Adoro! Haha!
Beijos!
Oi Tati! Se a raiva ocorre sem nossa consciência pode sim comprometer nossas ações. Por outro lado sem uma dose certa de raiva não caminhamos na vida. Estamos muito acostumados a entender raiva somente como um sentimento ruim e perigoso. Uma criança pode sentir raiva de seus pais e nem por isso ela se tornará perigosa. Quando a raiva é acolhida se transforma ou em combustível ou em outro sentimento. Ser responsável pela própria vida não é suprimir os sentimentos e sim conhecê-los para aprender a administrá-los de uma maneira saudável e construtiva. Beijos! Cris
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